O megainvestidor norte-americano Tim Draper, em março de 2017, declarou que “um país de turbulência política é uma ótima oportunidade para quem quer testar novas ideias e não ser esmagado pelas regulações, dessa forma, o país pode dar grandes saltos de progresso” e ainda reforçou a ideia de que era um dos melhores momentos para ir ao Brasil criar um ecossistema empreendedor.
De fato, essa afirmação poderia ser plenamente aplicável, mas não no cenário de investimentos no Brasil criado atualmente pela Receita Federal brasileira.
A começar, o investimento anjo caracteriza-se como uma forma de financiamento feito por pessoas físicas ou jurídicas com o intuito de incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos em startups através do aporte de capital e também por meio de uma espécie de mentoria aos empreendedores.
A figura do investidor anjo envolve o acompanhamento da evolução do negócio agregando valor ao empreendimento através de suas experiências, conhecimentos e rede de contatos até o amadurecimento do negócio. Essa prática, que alinha capital e conhecimentos, é conhecida como “smart-money”.
No Brasil, o ano de 2016 trouxe entusiasmo para o setor de startups sobretudo devido ao advento da Lei Complementar nº 155 de outubro daquele ano, que, basicamente, alterou a Lei Complementar nº 123/2006, a qual institui o Estatuto Nacional da Microempresa (ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP), e disciplinou a figura do investidor anjo.
Conforme estabelece o Art. 61-A da Lei Complementar nº 123/2006, o investidor anjo é pessoa física ou jurídica que aporta capital em Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte para incentivar as atividades de inovação em startups sem constituir integralização de capital social da empresa.
Além disso, a lei trouxe segurança jurídica ao estabelecer limitação da responsabilidade do investidor anjo pelas obrigações da sociedade investida quando afasta expressamente a aplicação do Art. 50 do Código Civil, que versa sobre a desconsideração da personalidade jurídica, e ao minimizar os riscos legais atrelados ao investimento.
Nesse sentido, o investidor anjo quando realiza o investimento em startup não é considerado sócio, nem possui direito a voto e poderes de gerência sobre o negócio. Assim, ao aportar o investimento, deverá ser realizado contrato de participação entre o investidor anjo e a startup com vigência não superior a sete anos. Nos termos do contrato de participação, o investidor anjo receberá remuneração em virtude de seus aportes, pelo prazo máximo de cinco anos (Art. 61-A, § 4o, III).
No que toca à remuneração do investidor anjo, o §6º do Art. 61-A regula que ao final de cada período, a remuneração corresponderá aos resultados distribuídos não superior a 50% dos lucros da ME ou EPP.
Quando do aporte de capital, o investidor anjo somente poderá exercer o direito de resgate da totalidade desse valor, devidamente corrigido, após um prazo mínimo de 2 anos e seus haveres serão pagos conforme estabelece o Art. 1.031 do CC/2002 que versa sobre a “resolução da sociedade em relação a um sócio”.
Além disso, caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios, conforme dispõe o Art. 61-C da lei.
O desincentivo ao investimento anjo surge com a Instrução Normativa RFB 1.719/2017, de julho desse ano, a qual regulamenta a forma de tributação da remuneração auferida pelo investidor anjo através do aporte de capital, submetendo-a ao Imposto de Renda Retido na Fonte por meio de alíquotas regressivas em virtude do tempo do contrato de participação. Dessa forma, quanto mais tempo ele mantiver seu dinheiro aplicado, menos imposto se pagará.
Vê-se que a IN RFB 1.719/2017 vai de encontro ao incentivo de investimentos em inovação e produção de tecnologias quando diminui o retorno desses investimentos através de elevada tributação ao investidor anjo.
Há de se observar que a remuneração do investidor anjo estipulada no contrato de participação refere-se aos resultados obtidos em porcentagem dos lucros da sociedade, o que equivaleria a dividendos recebidos por acionista provenientes da realização do investimento (aporte de capital) na sociedade. Ou seja, o investidor anjo participa da distribuição de lucro, pois a sua remuneração é baseada no resultado da sociedade ao final de cada período.
Além disso, o investidor anjo assume o risco do negócio e o risco de não auferir remuneração pelo capital investido na sociedade caso esta não gere lucros a serem distribuídos.
Dessa forma, percebe-se que a remuneração auferida pelo investidor anjo tem nítido caráter de dividendos, por constituir parte do lucro distribuído em contrapartida ao capital investido na sociedade. Por ser dividendos, não deveria incidir retenção e, sim, a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros, conforme estabelece o Art. 10 da Lei n. 9.249/99.
As disposições da Lei e da Instrução Normativa em diversos momentos atribui mecanismos que são destinados a “sócios” para disciplinar a relação jurídica do investidor anjo, a saber: quando orienta o direito de resgate do aporte de capital como se fosse liquidação em dissolução parcial de sociedade, ao vincular o Art. 1.031 do CC/2002; quando confere direito de preferência na aquisição da empresa se alienada. Por que com a remuneração do investidor anjo seria diferente?
Há similitude entre a situação do sócio e do investidor anjo, sendo que o primeiro aufere dividendos e o segundo remuneração – da mesma natureza – que não deveria sofrer a incidência de Imposto de Renda, pois se trata de fato previsto como isento de tributação. Percebe-se que o atual cenário brasileiro não é favorável aos investidores anjo devido à nova regulamentação da Receita Federal. Esse contexto brasileiro está em oposição a muitos países, que têm adotado políticas de incentivo fiscal para essa modalidade de investimento.
Países como Irlanda, Finlândia, França, Portugal, Turquia, Estados Unidos e Inglaterra têm incentivos fiscais para investidor anjo que realiza investimentos em empresas privadas, como por exemplo, concessão de isenções totais ou parciais nas remunerações, não incidência de imposto sobre ganhos de capital quando houver alienação, créditos fiscais, deduções fiscais, dentre outros.
As políticas de incentivo fiscal para investidores anjo provam que quanto mais investimentos são realizados maiores são as chances de sucesso e sobrevida de empresas iniciantes, além de ser um forte mecanismo para superar a crise econômica no país. Por isso, seria importante que o Brasil adotasse políticas que estimulassem o investimento de investidores anjo em startup, não o contrário.
Outra falta de estímulo ao investimento anjo é a existência de outros tipos de investimento com menor risco e que concedem incentivos (como ocorre, por exemplo – em investimentos imobiliários) quando na verdade seria congruente aplicar a ideia de “quanto maior o risco, maior o incentivo”.
Portanto, os elevados percentuais de tributos, além dos altos riscos atrelados ao negócio poderão impactar negativamente o incentivo às atividades de inovação e aos investimentos produtivos no Brasil.
Aléssia Guimarães Carvalho Oliveira é sócia do escritório Guimarães, Demartini & Iankowski Advogados. E-mail: alessia.guimaraes@gdilaw.com.br
Fontes: – http://www.anjosdobrasil.net/para-investidores.html; – Raising Business Angel Investment, European Booklet for Entrepreneurs, EBAN; HBAN, 2013; – Effectiveness of tax incentives for venture capital and business angels to foster the investment of SMEs and start-up – PwC, IHS, final report, 2017.
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