Blockchain – desafios e aspectos jurídicos
- GDI Advogados
- 19 de fev. de 2020
- 4 min de leitura
Você já ouvir falar em Blockchain? Blockchain é a tecnologia que permite que moedas virtuais, como a Bitcoin, existam. É uma rede peer-to-peer (P2P) que mantém um livro-razão digital com todas as transações com Bitcoin até então realizadas. Todas as transações são registradas de forma anônima.
Basicamente, ela funciona da seguinte maneira: uma base de dados distribuídos mantém uma lista crescente e contínua de registros ordenados, chamados “blocos”. Os blocos vão sendo adicionados à cadeia (“chain”), que se torna um registro contínuo, coeso e completo de todas as transações realizadas.
É importante ressaltar que Blockchain é uma tecnologia disruptiva, totalmente descentralizada: cada indivíduo do Blockchain tem acesso integral à base de dados e a seu histórico. Em outras palavras, Blockchain é um banco de dados de manutenção autônoma e simultânea através de uma rede de computadores ou servidores não relacionados denominados “núcleos”, como uma planilha que é duplicada milhares de vezes através de uma rede de computadores.
Munida de tecnologia criptográfica que valida a informação registrada e editada na “cadeia”, a Blockchain pode possibilitar transferências de posse e titularidades mais eficientes e com quase nenhum risco de ataque ou alteração da transação.
Entre seus utilizadores, já se incluem bancos como o Kasikornbank, da Tailândia, e a UNICEF Ventures, que em novembro de 2016 realizou seu primeiro investimento em Blockchain e já estuda a possibilidade de usar contratos inteligentes baseados na rede Ethereum, a fim de aumentar a transparência de suas transações internacionais.
Smart Contracts
Por ser programável, a tecnologia Blockchain possibilita a existência dos chamados “smart contracts”, que nada mais são do que instruções codificadas que se executam no momento da ocorrência do evento. Um exemplo comum utilizado para ilustrar um contrato inteligente é o da máquina automática de vendas: com a inserção de fundos suficientes, a máquina liberará o item escolhido (ex.: uma lata de refrigerante, um pacote de batata chips, etc).
Dessa forma, um smart contract – contrato inteligente -, ou Blockchain contract, é um contrato autoexecutável, que segue a lógica “se X, então Y”. Por meio dele, a transação somente será executada quando todas as condições estipuladas forem atendidas.
Assim, os contratos inteligentes são escritos para um sistema operacional como o Blockchain, e a sua execução por meio desta rede afasta a necessidade de um intermediário como um banco, uma autoridade central ou outra terceira parte para a confirmação da transação.
Aspectos Jurídicos
A disseminação da tecnologia Blockchain e de smart contracts provocará uma série de questões e desafios jurídicos que tornarão a sua aplicação ainda mais controversa, e cujas respostas não podem ser determinadas de forma abstrata com total segurança.
Entre os principais pontos que deverão ser levados em conta pelos legisladores e aplicadores do Direito, estão:
Jurisdição e Lei aplicável: por se tratar de um sistema descentralizado e que se dá simultaneamente em qualquer lugar do mundo, o Blockchain pode gerar discussões complexas acerca da jurisdição aplicável à relação contratual. Neste caso, demarcar o local em que a quebra ou falha na execução ocorreu, bem como tomar a medida apropriada, poderá ser complexo. A inclusão de cláusulas de lei aplicável e jurisdição será essencial para fornecer segurança ao consumidor e determinar os direitos e obrigações das partes, além de prever mecanismos para o caso de disputa contratual;
Exequibilidade: por serem códigos de computador previamente escritos, o uso de contratos inteligentes pode apresentar questões relativas a sua exequibilidade, já que a natureza de execução automática do contrato dificulta a aplicação dos princípios contratuais clássicos, como oferta e aceitação. Eles podem acabar não sendo suscetíveis a anulação ou cancelamento mesmo quando coagidos ou inconcebíveis;
Propriedade Intelectual: com a tecnologia Blockchain, a propriedade intelectual, assim como qualquer outra propriedade, poderá ser transmitida e registrada no livro-razão. Neste contexto, o sistema Blockchain pode vir a alterar a legislação de PI, que hoje se baseia em relações contratuais. Além disso, a tecnologia Blockchain poderia vir a substituir os bancos de dados tradicionais que mantêm registros de informações sobre marcas, patentes, copyrights, etc. O livro-razão já serviria por si só como prova e registro do direito;
Responsabilidade: a existência de um mercado de serviços por meio de contratos inteligentes trará discussões quanto à responsabilidade contratual e a alocação de riscos. Os reguladores poderiam ficar sem ter onde apontar, eis que não há entidade jurídica por trás dos contratos.
Privacidade: Em um livro-razão público, o registro das transações é visível a todos, embora alguns elementos individuais sejam criptografados. Assim, os contratos entre as partes estariam visíveis publicamente no registro, e terceiras partes poderiam vir a rastrear os contratos de um dado indivíduo. Nesse sentido, os contratos inteligentes deverão incorporar a proteção de dados apropriada se a tecnologia estiver processando transações que envolvam informações pessoais.
Conclusão
A tecnologia Blockchain ainda vem sendo desenvolvida, mas já podemos identificar algumas áreas em que ela exigirá maior atenção dos juristas, eis que ela oferece novas possibilidades de se contratar em maneiras que não se encaixam nas estruturas jurídicas preexistentes.
Além da ainda presente desconfiança em relação à Bitcoin, a tecnologia enfrentará os desafios jurídicos mencionados, os quais deverão ser contrabalanceados com as suas vantagens, como a redução dos custos de transação e o aumento da eficiência.
A tecnologia Blockchain, portanto, traz grandes implicações para a maneira em que transacionamos, e o potencial para inovação ainda é difícil de se avaliar. Espera-se que sua cada vez maior utilização traga a necessidade de adaptação ou alteração do atual quadro jurídico para acomodar a rápida inovação trazida por esta tecnologia, de forma a forçar os limites das leis existentes.
Anastácia Demartini Costa é sócia das áreas Contratual, Societária, de Comércio Internacional e de Arbitragem.
Comments