Através do mecanismo da consulta, um contribuinte relatou ter firmado contrato de licenciamento de bens e direitos e cessão de tecnologia com investidor estrangeiro que, em contrapartida, pagaria determinada remuneração.
Na delimitação do objeto da consulta, ficou determinado que tal remuneração, conforme o pacto contratual, seria realizada por meio de royalties.
O entendimento exarado pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta nº 431, de 13 de setembro de 2017 foi ementado da seguinte forma:
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP EXPORTAÇÃO. ROYALTIES. INCIDÊNCIA. Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento de tecnologia, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, razão pela qual não se enquadram nas hipóteses de não incidência da Contribuição para o PIS/Pasep previstas no art. 5º da Lei nº 10.637, de 2002. Dispositivos Legais: Lei nº 10.637, de 2002, art. 5º.
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS EXPORTAÇÃO. ROYALTIES. INCIDÊNCIA. Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento de tecnologia, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, razão pela qual não se enquadram nas hipóteses de não incidência da Cofins previstas no art. 6º da Lei nº 10.833, de 2003. Dispositivos Legais: Lei nº 10.833, de 2003, art. 6º.
Como se percebe, o fundamento do órgão fazendário foi o de que royalties não se enquadram nos conceitos de mercadoria ou serviços e, portanto, não estariam abarcados pela não incidência prevista nas Leis 16.637/2002 (art. 5º) e 10.833/2003 (art. 6º).
Dessa forma, segundo a Solução de Consulta, as receitas recebidas por contribuintes brasileiros quando da exportação de bens intangíveis, tais como a cessão de direitos ou transferência de know-how e tecnologia, remuneradas através de royalties, devem ser tributadas pelo PIS e pela COFINS, por não se enquadrarem nos conceitos de prestação de serviços ou mercadorias, únicos institutos que, segundo a Receita, estariam abrangidos pela não incidência.
Entretanto, tal posicionamento é merecedor de revisão.
Isso porque é imperioso analisar as Leis 10.833/2003 e 10.637/2002 sob a ótica da regra originária da não incidência das contribuições sociais, a Constituição Federal.
Dentre as hipóteses de imunidades concedidas a essas contribuições, encontra-se o disposto no art. 149, § 2º, I, in verbis:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
[…]
2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
Problema interpretativo pode ocorrer já que tal dispositivo aborda a competência para a instituição de contribuições sociais gerais, de intervenção no domínio e de interesse das categorias profissionais, enquanto a competência no tocante às contribuições para a seguridade social é regulada pelo art. 195 da Constituição[1].
Todavia, há que se visualizar a Constituição sistemicamente, e, assim, mesmo se verificando que o dispositivo “não trata especificamente das contribuições para a seguridade social, […] sendo estas espécies do gênero contribuição social, imperioso é que se sujeitem à imunidade ora apreciada[2]”.
Ainda pela via interpretativa, note-se que, com o intuito de desonerar e assim fomentar as exportações, tais operações são objeto de imunidades ao IPI (art. 153, § 3º, inciso III), ao ICMS (art. 155, § 2º, X, a) e ao ISS (art. 156, § 3º, II).
Não incluir essas duas contribuições no escopo da imunidade prevista na Constituição seria admitir um quarto gênero tributário no ordenamento brasileiro (o das contribuições sociais para a seguridade social, além dos impostos, taxas e das demais contribuições sociais).
Frise-se que o STF já inferiu que tal imunidade engloba as contribuições para a seguridade social – PIS e Cofins – em julgamento que excluiu a CSLL do escopo dessa norma de não incidência[3].
Por fim, necessário notar que no texto constitucional não há qualquer restrição quanto ao objeto da exportação, como quer a Receita Federal, ao aduzir que apenas a prestação de serviços ou a venda de mercadorias seriam objeto da não incidência, mas sim a toda e qualquer operação que resulte receita advinda do exterior, ainda que lá permaneça[4].
Dessa forma, o entendimento da Receita Federal quanto à incidência das contribuições sociais do PIS e da Cofins sobre valores recebidos do exterior em sede de royalties por cessões de direitos, know-how ou assistência técnica não pode prevalecer, uma vez que viola preceito constitucional garantidor de imunidade sobre tais operações.
Bibliografia:
[1] BARBOSA, Daniel Marchionatti. Imunidade a Contribuições para a Seguridade Social. in DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org.). Imunidades Tributárias e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 73.
[2] FREITAS, Lúcia de Faria. As imunidades pertinentes às contribuições sociais par a seguridade social. in SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães (org.). Tratado das Imunidades e Isenções Tributárias. São Paulo: Ed. Verbatim, 2011, p. 385.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 564.413. Relator Ministro Marco Aurélio, Brasília, Acórdão publicado em 06/12/2010.
[4] Tais como as receitas de variações cambiais ativas decorrentes de operações de exportação, embora as alíquotas estejam zeradas em virtude do disposto no inciso I, § 3º, do Art. 1º do Decreto 8.426/2015.
Bruno Dutra Iankowski é sócio do escritório Guimarães, Demartini & Iankowski Advogados. E-mail: bruno.iankowski@gdilaw.com.br
Comments